domingo, 4 de março de 2012

Shame

Título Original: Shame
Título Português:
Vergonha
Realizado por
: Steve McQueen
Actores:
Michael Fassbender, Carey Mulligan, James Badge Dale
Data
: 2011
País de Origem:
Reino Unido
Duração:
101 mins
M/16

Cor e Som










Quando terminei de ver Shame, e ainda na sala de cinema, resumi-o a três palavras: sexo, sexo e sexo. Foi um primeiro ímpeto e certamente que um pouco irreflectido, reconheço-o agora. Não obstante os contornos pornográficos do filme, ele transcende largamente a impressão redutora da minha primeira descrição.
Na realidade, Shame é um filme surpreendente, com uma extraordinária interpretação de Michael Fassbender. Na história, deparamo-nos com Brandon Sullivan (Michael Fassbender), um solteirão que vive em Nova Iorque, com uma vida aparentemente tranquila e desafogada. Prisioneiro, como tantos de nós, de uma rotina banal, com particular ênfase – o que perpassa todo o filme - naquilo a poderíamos chamar de rotina sexual de um viciado em sexo. E poderíamos dizer também que absorto nessa sua rotina profissional e convivencial e circunscrito ao seu apartamento - espécie de manga de vidro onde se isola - a sua insaciabilidade por sexo dilui-se, torna-se indistinta e é consumida por aquelas. O sexo, seja na Internet, seja pagando a prostitutas para o visitarem em casa, ou seja ainda a sua masturbação compulsiva imiscuem-se nessa vida de hábitos característicos das sociedades modernas. E Brandon é a alegoria do homem que segue o fluxo natural da sociedade: trabalha, tem seu apartamento, vive confortavelmente e satisfaz as suas necessidades mais superficiais.
Mas tudo vem mudar quando Brandon recebe em sua casa a sua irmã Sissy (Carey Mulligan), que vem afectar bruscamente a sua rotina e causar-lhe um descontrolo imenso. E é, na realidade, a presença da irmã que irá revelar que por detrás de uma perversão sexual há um homem profundamente frio e solitário. Ao contrário de Brandon, Sissy vive uma vida errante. É cantora, não tem qualquer estabilidade e vive pela busca de sensações. Assim, a rotina pacífica e sem maiores reflexões do satírómano é substituída por uma tentativa de reconstrução do seu carácter e, talvez também, dos seus sentimentos. Uma cena bastante significativa disso mesmo é aquela em que Sissy - com um carisma único - interpreta New York New York, num ritmo muito mais lento do que a versão original de Frank Sinatra, e faz com que Brandon lacrimeje. O ritmo lento quebra com o fluxo ininterrupto de informações e faz com que o protagonista se confronte com o amor que sente pela sua irmã e com o vazio que representa a sua vida.
Já o desfecho de Shame é de uma grande ambiguidade, o que acaba por favorecer, de algum modo, a criatividade do roteiro. Fica a sugestão de que Brandon reconhece as suas fragilidades masculinas, passando progressivamente a perceber que a sua ânsia por sexo é apenas um desejo desenfreado de preencher o vazio da sua existência. Shame é sem dúvida daquele tipo de filmes em que saímos mudos do cinema, incapazes de afastar totalmente as reflexões que se apresentam para contemplação. É um filme de duas pessoas a gritar por ajuda, mas que são incapazes de verbalizar com clareza o que sentem. Tudo passa e quando se apercebem estão completamente sós. E vivem, gozam, mas não se emocionam.
Shame é um retrato interessante e curioso de dois adultos, que se depreciam a cada dia, quando poderiam ser valorizados e/ou valorizar-se. A história está bem construída, mas pecará certamente um pouco pela falta de ritmo. E é bom que se vá preparado para ver cenas que se podem considerar semi-pornográficas. Não há sexo explícito, há cenas fortes, mas justificadas, que não apenas transmitem perfeitamente o sentimento pretendido pelo director, como permanecem connosco muito para além dos 100 minutos de projecção do filme. Um dos melhores de 2011 e que espanta francamente ter passado ao lado da Academia, se não pelo filme em si, então pela excelente interpretação de Fassbender.


Nota:

Outras Críticas:
David Bernardino:

5 comentários:

David Bernardino disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
David Bernardino disse...

Acabado de regressar do cinema é com agrado que vejo que Steve McQueen cumpriu ao afirmar-se como promissor novo realizador. Shame é sem dúvida uma das poucas obras realmente de Arte do ano que passou. Além do drama familiar, a eterna sombra, desconfortável, sexual, que paira sobre o filme durante toda a sua duração é a crítica que a metrópole, abstractamente falando, merece. Michael Fassbender, fenomenal, é aqui um empresário de sucesso em Nova Iorque.. O que está presente em Shame é a dureza da vida rotineira e citadina de um homem que, talvez devido a um negro passado familiar que o filme apenas nos permite inferir, está vazio, está desesperado, insaciável por um desejo de superficialidade e de luxúria fria, de carne, que nunca parece desaparecer. A estética de Shame ajuda o espectador a ser engolido, a interessar-se, nunca o aborrecendo, através de uma filmagem não lenta, mas diria antes focada. Focada nos movimentos, nas faces, nos sentimentos que verdadeiramente interessam transmitir. O encadeamento de cenas subtil, como que num barco seguro mas numa noite negra e desconfortável, onde nos encostamos à cadeira de cinema ou ao sofá, observando a sequência do dia a dia da personagem principal, os seus encontros de todo o estilo, os locais onde satisfaz a sua sede de fazer aquilo que é moralmente incorrecto. Brandon (Fassbender), está de facto perdido. No entanto o que significa realmente estar perdido?
Esteticamente Shame é directamente comparável a Drive. No entanto em Shame a imagem não é parada porque fica bem fazer filmes com imagem lenta. A diferença é que num a estética é pura e verdadeira. No outro é falsa e arrogante.
Se anteriormente disse que Ryan Gosling era um senhor, então aqui Fassbender é um "Senhor" Senhor. Steve McQueen dá aqui uma bela lição do que significa sétima arte, sem falsos moralismos, sem obrigar o espectador a reconhecer a qualidade do filme. E isso é um grande, grande alívio.

Anónimo disse...

Identifico-me com a crítica, mas também com Brandon (a personagem principal). O vazio da minha vida também é preenchido da mesma forma que Brandon preenche. Agora, não percebo porquê que, numa das cenas mais relevantes e que foi aqui esquecida, (a cena em que Brandon leva para a sua casa a sua colega de trabalho, depois de terem jantado num dia anterior, ele não faz sexo com ela) fica por perceber se ele teve um problema de erecção (o que me parece pouco provável, uma vez que, durante o filme todo Brandon "dá conta do recado"), ou se ele foge dos sentimentos e, por isso, não se queria envolver, (preferindo fazer sexo com uma prostituta, como acaba por fazer), ou se é alguém que, por ter tido um eventual desgosto amoroso não se quer envolver com ninguém, a não ser a um nível, meramente sexual e sem compromissos,ou se no fundo, ele quer viver a vida, um dia de cada vez e tem medo de fazer um compromisso para o futuro? qual é a ideia com que ficaram, gostava de saber mais opiniões? Outra coisa, que também não percebi, foi a transformação física do Brandon durante o filme, quase como se ele estivesse a ficar doente. Não percebo se ele padecia de uma doença (efectiva, ex: sida, sífilis, ou mesmo gonorreia) e que por isso, quer aproveitar todos os momentos da vida para fazer aquilo que mais o preenche e que o afasta da morte (no caso sexo), ou se o realizador quis dar a ideia de que o que Brandon tem é uma doença (à semelhança do que Tiger Woods disse quando lhe foi descoberta a careca.lol). Este ponto também não é focado na crítica, mas gostava de saber a vossa opinião sobre o assunto. Outro aspecto que também fez surgir a dúvida em mim,tem a ver com a mulher do metro. Primeiro, quando Brandon a vê pela primeira vez e ela estando casada, mesmo assim, ela mostra-se interessada, (o que me parece um pouco forçado e irrealista-já tentei engatei uma mulher casada e foi muito difícil; agora, no metro e só com o olhar, diria que só mesmo em filmes.lol). Na segunda vez, ela já não está casada, tem o Brandon nas costas dela e faz tudo para o dispersar, não percebi. Será que, era tudo imaginação dele, ou ela tinha um problema e sempre que alguém olha para ela ela sorri e mostra a perna.lol. Não percebi a ideia e, por isso, gostava de vos perguntar opinião.

Anónimo disse...

Por fim, não se percebe a relação dele com a irmã (Sissy), numas cenas parece que lhe vai "saltar à cueca" e noutras está emocionado a ouvi-la cantar. Quando ele a manda sair da cama, não se percebe se é porque tem medo dele próprio, no sentido de não conseguir controlar os seus instintos, ou se ele tem medo que a irmã seja pior que ele e tente fazer sexo com ele. De qualquer forma, a ser a segunda, acho que o filme é irrealista ao não explorar uma possível relação incestuosa entre eles, até porque (pode parecer mentira,mas não é!) nos dias que correm é o mais normal, ainda por cima quando há droga à mistura. Gostava de saber a vossa opinião sobre esta cena, também não explorada na crítica. Por último, não percebi a cena homossexual. Lá está, pode ter a ver com o facto que eu disse anteriormente da ideia do Brandon querer satisfazer os seus instintos. Acho que o realizador se excedeu nesta cena e que desvirtuou a imagem do Brandon, porque, o faz parecer um animal. Não por a relação ser homossexual, mas pelas condições em que ele fez sexo e por, obviamente, ele não ser gay, mostrando dando uma ideia de que: até com homens ele faz sexo!para mostrar no fundo que ele só quer "descarregar" o saco. Muito estranha e badalhoca esta cena, que no fundo, até pode ser mal vista pela comunidade gay e lésbica, uma vez que, a discoteca para onde ele entra mais parecia um bordel com orgias a acontecer em todo o lado, como se fossem animais. A propósito, só faltou o Brandon fazer sexo com um animal depois dessa cena.lol. aí seria muito extremo acredito e, também entendo que o realizador, não tenha chegado a esse ponto, até porque, aí sim, poderia vir a ser acusado pela comunidade gay e lésbica (creio que justamente) de estar a comparar o sexo entre pessoas do mesmo sexo e a zoofilia (da qual sou fã, a propósito.lol). Esta cena não é abordada na crítica, mas estou curioso para saber a vossa opinião.
Obrigado e cumprimentos para todos os cinéfilos deste país. VIVA O CINEMA PORTUGUÊS (desculpem, mas não consegui evitar a intervenção política, até porque, estamos num momento muito relevante e que pode determinar o futuro do cinema português, em Portugal e no Mundo. Fui daqueles malucos que esteve em frente à A.R. a ver a retrospectiva do cinema português e parece-me que falta ao cinema português meios económicos para sobreviver e temos que estar unidos nesta causa - atentem que ao falar da retrospectiva do cinema português, não fiz nenhuma associação com o aniki bobó e o shame.lol., era para manter o tom sério que a causa merece.
Abraço enorme para este blog que, apesar de ainda não ter feito referência ao "Tabu", nem a outros filmes portugueses da actualidade, parecendo distanciar-se desta causa, não deixa contudo de ter um papel muito relevante na divulgação do cinema nipónico e americano, dos quais também sou fã.
Agora sim, forte abraço! espero não me ter alongado, mas a minha vida, como vazia que é, leva-me ao exagero.

Anónimo disse...

tive que dividir em dois comentários, porque isto tem limite de caracteres e eu não sabia.